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Miúdos Seguros Na Net - Promover a Segurança de Crianças e Jovens na Internet

Minimizar Riscos, Maximizar Benefícios.

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Minimizar Riscos, Maximizar Benefícios.

A Lei do Silêncio?

Tito de Morais, 14.07.07
Imagem com que o DN ilustra o artigo 'Menores têm sexo virtual a troco de carregamentos de telemóvel'Ainda a propósito da notícia do DN, decorrida quase uma semana da sua publicação, é com alguma tristeza que constato que o assunto pouco ou nada tem sido debatido. Nestes dias dei comigo a pensar sobre o assunto. Nos meus escritos e nas acções de sensibilização e formação em que participo como orador ou formador, costumo referir que uma estratégia eficaz para a segurança online de crianças e jovens é como uma cadeira de quatro pernas. Isto é, deve incluir abordagens tecnológicas, parentais, educacionais e legais.

Ao nível tecnológico, existem programas que permitem definir horários de utilização para cada utilizador de um dado computador, impedindo assim que este seja usado, por exemplo, às duas da manhã ou quando os pais de uma criança ou de um jovem não estão em casa. Os programas de filtragem podem ainda prevenir o acesso a sites com funcionalidades ao nível do chat. Por outro lado, os programas com funcionalidades ao nível do bloqueio de outros programas e dispositivos podem também prevenir o tipo de situações referidas no artigo do DN. Por fim, os programas de monitorização da utilização e do acesso podem ajudar a detectar situações como as referidas. Alguns dos programas que referi no post "30 Ferramentas Com Filtragem de Conteúdos" incluem algumas destas funcionalidades.

Ao nível parental, escrevi o artigo "Os Média e a Segurança de Crianças e Jovens na Internet" onde forneço algumas hiperligações para artigos onde detalho este tipo de abordagem. Faço-o também nas acções de sensibilização e formação em que participo como orador ou formador, um pouco por todo o país. Por outro lado, distribuí também um comunicado de imprensa que fiz acompanhar de algumas recomendações que foram noticiadas pelo Expresso Online e pelo Metro (PDF - 2,39MB).

Capa do livro A nível educacional, recomendo o livro "Guia de Educação Sexual e Prevenção do Abuso", da autoria de uma amiga que é também responsável pelo site "SOS Educação Sexual" e que desenvolveu o Programa de Prevenção do Abuso Sexual Sobre Menores da Direcção Regional de Educação do Centro. Mas era importante que tal programa não se restringisse apenas à região centro.

E ao nível legal? Aqui, são mais as dúvidas que as certezas. Mas tenho grande dificuldade em perceber algumas coisas que aproveito para partilhar consigo e para as quais irei procurar respostas, à luz do actual e do novo código penal:
  • A auto-pornografia perpetrada por crianças e jovens não é crime?
  • Um adulto pagar a uma criança/jovem (mesmo que sob a forma de carregamentos no telemóvel) a troco de sexo (mesmo que virtual), constituindo, na prática, um incentivo à auto-pornografia de uma criança/jovem, não é crime?
  • Não faria sentido que este tipo de condutas fossem considerados crime público?
  • Se a resposta for negativa, não seria de esperar que o novo código penal criminalizasse estes tipos de conduta e que o fizesse tratando-os como um crime público? É que se trata de uma situação típica onde provavelmente nenhuma das partes apresentará queixa...
Afinal, trata-se de um fenómeno que não é novo. O caso que trouxe este tema para a ribalta da comunicação social - incluindo a portuguesa que fez eco da notícia - resultou de uma investigação do New York Times e data de Dezembro de 2005. Mas existem casos noticiados, pelo menos, desde Março de 2004, se bem que o fenómeno se verifique provavelmente há muito mais tempo. Pensar que este tipo de coisas só acontecem nos Estados Unidos é, no mínimo, ser ingénuo.

Não tenho as respostas para as questões acima, pelo que apenas me resta imaginar uma situação ideal. Numa situação ideal, teríamos um procurador diligente que já teria actuado. Teria solicitado a empresa gestora das salas de chat alvo do artigo no sentido de fornecer os registos dos acessos e das conversas. A partir destas chegaria aos endereços IP dos utilizadores suspeitos. Daqui chegaria à sua identificação, solicitando-a aos operadores de serviços de acesso à Internet que haviam fornecido os endereços IP em questão. Conhecendo a identidade dos utilizadores chegaria aos seus registos bancários, solicitando-os aos respectivos bancos. Por aí verificaria movimentações para carregamentos de telemóveis das crianças/jovens. Estaria, assim, fechado o círculo que permitiria montar uma acusação.

O parágrafo acima está recheado de premissas baseadas numa série de assumpções incorrectas, eu sei. A primeira das quais é que, provavelmente, à luz do código penal (actual ou futuro), estas situações não configuram nenhum crime. Eis o primeiro motivo de reflexão. A segunda, é que se os operadores são obrigados a manter os registo dos endereços IP, o mesmo já não acontece com o registo das conversas. Tenho mesmo dúvidas se será desejável que assim seja. A terceira é que as autoridades seriam céleres na solicitação desses registos aos operadores e que estes seriam igualmente céleres a fornecer esses registos. Mas tanto quanto me dizem, a lei tão pouco determina um tempo máximo de resposta por parte dos operadores e estes podem simplesmente responder que não existem registos ("não consta") que daí não resultará qualquer penalização. Depois temos o sigilo bancário. Longa história. E por fim a relação destes com os operadores móveis. Tudo isto são motivos que nos devem levar a reflectir. Mas seja como for, o silêncio total por parte das autoridades perante esta notícia que foi vinculada por um dos principais jornais diários portugueses e, pelo menos, um canal de televisão, na minha perspectiva, é preocupante. É um sinal da importância, ou falta dela, que atribuem a este tipo de casos. É pena. O resultado serão medidas primárias que ajudarão à info-exclusão, estou certo.

O caso que referi acima, alvo da reportagem do New York Times, teve consequências judiciais e levou a uma série de condenações. Mas para isso foi necessário que o jovem tomasse a iniciativa de fornecer ao repórter todos os registos de transacções que acumulou aos longo dos anos em que se expôs através da sua webcam. Talvez em Portugal, as coisas acabem por se resolver do mesmo modo. Perante o silêncio generalizado de quem supostamente teria obrigação de se pronunciar activamente sobre estes assuntos e à falta de coragem dos adultos, resta-nos esperar por um acto de coragem de uma criança ou de um jovem?

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