Acabáramos de mudar de casa. Eu devia ter aí 5 ou 6 anos. Recordo-me de chegar à varanda lá de casa e espreitar cá para baixo. Lá em baixo, no passeio, um miúdo, louro, com uns tampos de panela nas mãos, quais pratos de orquestra, fazia uma "chinfrineira" desgraçada batendo os pratos de forma "ritmada", enquanto marchava em passo de ganso. Lembro-me de lhe ter atirado: "Ó menino, queres ser meu amigo?". O Zé Luís foi o meu primeiro amigo naquela rua, a rua da minha infância.
O Zé Luís era assim. Não passava despercebido a ninguém. Ele assegurava-se disso. Fosse pela marcha em passo de ganso, em quem estou certo o John Cleese copiou. Fosse pelo grito longo, grave, ensurdecedor e normalmente assustador, que habitualmente lançava, por "dá cá aquela palha", nos locais e nas situações mais inoportunas. Fosse pelas alcunhas que colocava a quantos lhe passavam pela frente e cuja mera repetição, como se de um código se tratasse, gerava habitualmente gargalhadas entre todos nós, não por ridicularizarmos alguém, mas pelo cómico da situação que viveramos ou que nos fora contada. Fosse pelas suas imitações dos "alcunhados". Fosse ainda pelas ideias mais incríveis que lhe passavam pela cabeça e que não hesitava um minuto para as pôr em prática.
Com o Zé Luís tudo podia acontecer! A ele e, por vezes, a quem com ele estivesse. A "prudência" não era certamente o seu nome do meio! No entanto, quem como eu e outros, crescemos com ele e com a sua amizade, o Zé Luís era máximo! Às vezes até demais. Com ele não havia tédio. Mas às vezes podia haver chatice. De tal forma, que a sua fama precedia-o. Quer junto de nós, quer junto dos nossos pais. Se para nós o Zé Luís era sinónimo de excitação, para os nossos pais era mais sinónimo de sarilhos. E às vezes (?), era mesmo!
O Zé era um perigo! Mas era um amigão! Daqueles que não se esquece. Daqueles que nos dá histórias para contar aos filhos e aos netos. A última vez que falei com ele foi exactamente a propósito de um telefonema que lhe fiz para me recordar pormenores de uma dessas histórias que estava a contar aos meus filhos. O Zé recordava-se sempre de tudo e de todos. Em adultos convivemos pouco. Podiamos não nos falarmos durante o ano todo, mas no dia do meu aniversário era mais que certo que me ligava para me dar os parabéns. E quando falávamos era como se nos tivessemos encontrado no dia anterior.
O funeral do Zé Luís foi ontem. Não pude estar presente e isso corrói-me. Mas talvez tenha sido melhor assim. Guardo dele uma imagem de vida e alegria. Graças a ele, eu e muitos outros amigo comuns que espero tenham podido estar presentes, temos muitas histórias de infância para contar aos nossos filhos e netos. Outras nem tanto!
Zé: obrigado por teres sido meu amigo. E quando "lá" chegares, não te esqueças do teu grito! Estou certo que não passarás despercebido, como não passaste nas nossas vidas! Fica bem!
Abraço
Tito