Quem Protege os Nossos Dados Pessoais?
No dia 2 de Janeiro, o Diário de Notícias noticiava "Governo cede dados dos BI portugueses aos Estados Unidos". Segundo a notícia, os "Estados Unidos (EUA) querem ter acesso a bases de dados biométricas e biográficas dos portugueses que constam no Arquivo de Identificação Civil e Criminal". A notícia acrescentava ainda que o "FBI, com a justificação da luta contra o terrorismo, quer também aceder à ainda limitada base de dados de ADN de Portugal". Para isso, Portugal e os Estados Unidos assinaram um acordo bilateral em Junho de 2009. Em Novembro de 2009 foi solicitado um parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) e espera-se que o mesmo seja conhecido este mês. Uma vez conhecido o parecer, o acordo deverá ser aprovado em Conselho de Ministros, apresentado à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas da Assembleia da República (AR), sujeito a ratificação pela AR, pela Presidência da República e poderá ainda haver lugar a intervenção do Tribunal Constitucional. Segundo o DN, o "acordo prevê que o FBI tenha acesso às informações constantes no bilhete de identidade de todos os portugueses", acrescentando que além disso, em tratando-se de cidadãos condenados, o FBI poderá "também receber o seu registo criminal e informações do seu ADN caso exista alguma amostra na base de dados que está sediada em Coimbra e que é da responsabilidade do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML)".
A informação publicada nas páginas do blog do Department of Homeland Security, anunciando o acordo em 30 de Junho de 2009, é mais parca e não coincide com a informação da notícia do DN. A notícia da agência noticiosa AFP também é parca em informação. No entanto, um comunicado de imprensa publicado a este propósito pelo Department of Homeland Security - United States and Portugal Sign Agreement to Prevent and Combat Crime – reafirma a ideia que contraria a notícia do DN, isto é, que a troca de informações será apenas relativamente a suspeitos de crimes e não a todos os Portugueses. A AFP acrescenta que os EUA estão a fazer acordos bilaterais semelhantes com outros países – Espanha, Alemanha, Itália e Grécia, nomeadamente – e outros oito países. A notícia do DN dá a entender que estes acordos bilaterais que os EUA estão a celebrar com outros países da União Europeia constituem uma forma de ultrapassar atrasos e eventuais obstáculos a um acordo com a União Europeia. O DN refere ainda declarações de um deputado do PSD: "Fizemos perguntas sobre o protocolo, mas a resposta foi vaga. Não tivemos mais nenhuma informação acerca desse tema".
Na edição desse mesmo dia, o DN noticiava ainda “Informações nacionais vão para superbase de dados”. Incluindo declarações de José Manuel Anes, Presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) relativas à importância da cooperação internacional no combate ao terrorismo, o artigo inclui também declarações de uma fonte não identificada da CNPD revelando algumas preocupações:
- Não há indicação do órgão de polícia Português que irá colaborar com o FBI
- "Em Portugal, para se ser terrorista é necessário haver condenação nesse sentido, ou, no mínimo ser arguido num processo. Nos EUA o conceito é mais abrangente basta ser um suspeito. Fornecer dados de uma pessoa que nunca foi condenada só por constar numa lista de suspeitos parece-nos um pouco abusivo"
- "O registo criminal é cancelado após um determinado período legalmente estabelecido, o que no caso de crime com sentença superior a 8 anos de prisão é de 10 anos, após extinção da pena, desde que não tenha nova condenação, ou após falecimento do titular"
- Nos casos de partilha de informação com outras agências e países, o cumprimento da lei Portuguesa pode ser complicado de garantir.
De notícia em notícia, cresce a minha convicção que algumas medidas de combate ao terrorismo e ao crime organizado podem constituir verdadeiras ameaças aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. E, no meu ponto de vista, compete aos cidadãos dar sinais claros à liderança política relativamente às suas preocupações. Isso, para mim, é cidadania activa. Foi este pensamento que me levou a criar um inquérito para ver o que achavam deste caso as pessoas com quem partilho conteúdos no Twitter, no Facebook e neste blog.
No dia em que fiz a primeira referência no Facebook à notícia do DN, o José António Salcedo chamou-me à atenção de um artigo de uma reportagem de investigação desenvolvida pelo Washington Post intitulada “Top Secret America – A hidden world, growing beyond control”, acrescentando um alerta que todos os políticos deveriam ler esta notícia antes de se comprometerem com acordos estúpidos e perigosos como este. Se antes de ler este artigo tinha preocupações relativamente a este acordo, depois de o ler, essas preocupações são maiores. Eventualmente pelas mesmas razões, e tomando por base a primeira notícia do DN, no Facebook surgiu uma Causa: Não permita que o Governo Português ceda os seus dados de BI aos EUA. Visando “reunir o maior número de Portugueses que está contra este abuso”, à data em que escrevo este artigo, a Causa conta já com 20.728 membros.
No dia 5 de Janeiro, em resposta a uma publicação minha no Facebook onde dava a conhecer que a Causa tinha ultrapassado os 7.500 membros e que o próximo patamar da Causa eram os 10.000 membros, o Miguel Quintão Caldeira alertou-me para uma outra visão da questão, argumentando que, para assinarmos uma qualquer petição em consciência, seria bom lermos este artigo: “Quando os dados pessoais servem bem a populismos”.
Entretanto, o DN continuou a noticiar o assunto:
Nestes últimos dias, no entanto, o assunto arrefeceu e deixou de ser notícia. Continuo a achar o assunto demasiado importante para adoptarmos uma atitude passiva. Assim, se o preocupa a protecção dos seus dados pessoais, faça ouvir a sua voz e as suas preocupações. Neste artigo, referi duas formas de o fazer:
- Deixe o seu voto neste inquérito: Concorda que Governo Português ceda dados dos BI portugueses aos EUA?
- Se usa o Facebook, adira à Causa Não permita que o Governo Português ceda os seus dados de BI aos EUA
Outras formas de fazer ouvir a sua voz e as suas preocupações:
- Divulgue os dois endereços acima
- Deixe o seu comentário abaixo
- Tome a sua própria iniciativa.
Por fim, estranho que nenhum dos candidatos às eleições Presidenciais se tenha manifestado sobre o assunto ou tenha sido questionado sobre o mesmo. A terminar, dia 28 de Janeiro, assinala-se o Dia da Protecção de Dados, sendo esta uma boa nota para abordar a questão